hello, goodbye

por km

já faz tempo q prometi pra Silvia (e pra mim mesma) um texto sobre o q é mudar de país. comecei uma centena de vezes e nunca terminei. hoje decidi começar de novo e fazê-lo em tópicos – emburreci muito nesses dois anos e preciso de esquemas simplistas.

be aware: é um texto meio místico. sou dessas. lidem.

1 – saiba quem vc é, de onde vc veio e o q vc está procurando

mudei pra londres com uma mala de 30 quilos e sete toneladas de memórias. as memórias são as condutoras das suas expectativas e ações. existem muitos fios desencapados dentro da gente e eles vão soltar faíscas de tempos em tempos. esteja pronta para lidar com o fogo q isso provoca. no avião, já sabia q em duas semanas encontraria um emprego. achava q faria outro milhão de amigos como foi no Brasil, q tocaria em festas, que em um ano seria uma cozinheira profissional. minhas expectativas foram desmoronando uma a uma. a verdade é que hoje, a exatas três semanas de deixar Londres, percebi q eu não soube procurar. não encontrei meus equivalentes, não encontrei as festas q achava q existiam ou as pessoas q falariam de música comigo (falar de música é muito importante pra mim. me derreto por uma história do rock, por discutir as manias dos nossos ídolos, por uma “briga” de qual disco é o mais legal, por aquela dica preciosa de um álbum q vai tocar na sua vida por 3 meses sem parar). prefiro pensar q essas pessoas existem e eu nunca as encontrei. pq durante dois anos pensei q elas não existiam.

virei um amontoado de medos (superados, indeed). primeiro pq eu não falava inglês. então eu tinha medo de falar com as pessoas. nos primeiros meses, me sentia extremamente burra. não pq eu sou burra, mas pq era assim q as pessoas me tratavam. tudo porque eu não falava inglês. tive um período de despersonalização (nada patológico. estava bem consciente do meu estado). não sabia quem eu era pq eu não era mais, e não conseguia ser, a kátia q era no brasil. não conseguia fazer minhas piadas, não conseguia fazer amigos, não conseguia sair de casa pq estava deprimida.

odiei londres infalivelmente todos os dias durante os primeiros 4 meses. no primeiro mês na cozinha, fui embora chorando todas as noites. mas desistir nunca foi uma opção. havia um sistema compensatório muito rico: cada vez q eu cozinha algo e dava certo, era como se, de alguma maneira, eu pudesse provar pra mim mesma q eu sabia quem eu era e o q eu tava fazendo aqui e porque eu tava me fodendo tão grandiosamente.

muito devagarinho, a vida foi pingando amor. no meu aniversário de 29 anos, com dois meses aqui, acordei chorando. chorei por muitas horas naquela manhã. chorei de uma saudade q só senti qdo minha mãe morreu. e chorava até perder o ar qdo pensava q, até aquele 4 de maio de 2012, acordava brilhando de felicidade pq era meu aniversário. é o meu dia. o dia q as pessoas me abraçam e me amam e são felizes comigo e a gente comemora q está vivo. nessa tarde, a Livia me ligou pra dar os parabéns e me convidou pra ir na casa do cunhado dela jantar. eu fui, e ela e a Veneta compraram um bolo e cantaram parabéns e eu chorei de novo, e bebemos e dançamos e discutimos a existência e foi minha primeira noite feliz em Londres. quando cheguei em casa, tinha um email lindo do Mancha e então eu chorei mais e mais, me arrependendo por ter deixado tanto amor em outro continente.

mas desistir realmente não foi uma opção. hoje em dia questiono um pouco destino e livre arbítrio pq passei dois anos exilada aqui. quis ir embora dia após dia, mas a vida, de alguma maneira, não deixou.

depois desse aniversário, teve o casamento da Livia (obrigada por tudo, lindoca <3). eu conheci o Pedro e a gente ficou junto por um tempo. o Pedro fez eu amar Londres. acho q o próprio destino, se aproveitando das serotoninas e endorfinas q o Pedro liberava em mim, fez eu gostar desses parques, desses restaurantes, desses pontos turísticos cagados de gente por todos os lados. eu não me apaixonei pelo Pedro, mas tava pronta pra namorar. nasci pronta pra namorar, acho demais.

depois veio outros pingos de amor, Biri, André, Renata, Cameron. a cozinha, no final de 2012, já não era mais uma pain in the ass, mas eu percebi q demoraria muito mais de um ano pra eu ser uma boa profissional.

então em janeiro de 2013 eu fui pro Brasil. foram duas semanas e meia muito malucas. era como se eu nunca tivesse saído de São Paulo. existe amor em SP, muito, e eu e meus amigos nos amamos como se nunca tivéssemos nos separado. voltar pra Londres foi terrível. passei fevereiro e março deprimida. querendo largar tudo e voltar pra casa. mas então o Palugas (e o Bibikas, o Klaus, o João, o Shin etc.) tava vindo pra cá. Palugas fez de um tudo pra gente ir pro Primavera Sound em maio. comprou minhas passagens, me deram abrigo em Barcelona e então eu fiquei, agarrada na ideia q, em junho, estaria livre pra voltar pro Brasil.

mas em maio veio a Barbara. uma italiana linda unicórnia mágica q virou minha melhor amiga. não havia livre arbítrio: havia ali destino. a gente segurou uma na outra por 5 meses. passamos o verão magnífico de 2013 (foi um verão histórico, com sol durante todo julho, 30 graus na sombra!) no jardim fumando maconha e falando, falando, falando. eu não podia ir embora pq eu tinha a Barbara. e a Barbara não podia ir embora pq ela me tinha. éramos como duas namoradas.

mas em setembro a Barbara decidiu ir embora. e a vida, de novo, cuidou de mim. colocou o George, um espanhol milgrau, pra trabalhar comigo. foi outro browmance. a gente se completava na cozinha (foi a melhor pessoa q trabalhei na vida), saía pra se embebedar e dar risada dessas caralhas todas e só ele me segurava nessa cozinha. George se foi faz um mês e a única coisa q eu sei é q tamos juntos nessa vida pra sempre.

tem essa tb: em julho eu saí da cozinha q trabalhei por 1 ano e 4 meses. fiquei quase dois meses desempregada. foi badtrip, pq a crise existencial aumenta exponencialmente com a falta de grana e perspectiva. então esse trampo no Sofitel me encontrou. é um lugar q me causa sentimentos mistos, pq pela primeira vez trabalhei com um time legal, mas com um chef bosta e um salário mais bosta ainda. e salário não é o valor q pinga no fim do mês na minha conta, mas sim o volume de trabalho versus o dinheiro q vem. tive crises de ego seríssimas, pq o chefe bosta nunca me reconheceu como uma boa profissional – nem pra mandar um elogio, nem pra aumentar meu salário. tentei me demitir 3 vezes. ele me cobria de promessas (q nunca foram cumpridas), então eu fui ficando.

agora q está acabando, devo falar q só durou dois anos pq eu nunca me esqueci de quem eu sou e o q eu vim fazer aqui, apesar de ter havido momentos em q questionei profundamente quem eu era e pra onde estava indo, e minha missão está cumprida. agarrei o conhecimento e busquei subterfúgios pra não matar ou não morrer. dentre todas as crises existenciais q rolaram, desde a necessidade real ou imaginária de me submeter ao sistema, até crises bobas, como de autoimagem – como me veem e como eu me mostro -, passando por crises de saudade avassaladora e de uma carência q me fez ser legal até com gente babaca, a lição q tenho é q nem tudo tem uma lição. às vezes a vida para mesmo, umas coisas são pausadas ou andam muito devagar e a solução é ir prum pub, pedir um balde de cerveja e esperar.

2 – vc vai conhecer outras culturas e vai aprender a amá-las e odiá-las

Londres é um lugar estranho. é uma concentração muito grande de idiotas. vou tentar explicar, apesar de sempre ter sido difícil: a maioria das pessoas q estão aqui não têm objetivos. elas vieram 1- ou pq aqui tem emprego ou 2- ou pq AQUI É LONDRES CARA UHUUUUL VAMO ZUÁ. elas simplesmente deixaram suas vidas vazias pra trás pra ter uma vida vazia aqui. eu sou legal. é um estilo de vida. sou maneira pq acho q é o mínimo q vc pode fazer pelo próximo. é o mínimo ser gentil e compreensivo. e o q eu tinha de volta era escrotice, fofoca, humilhações, relações estabelecidas de uma maneira tão sórdida q faziam eu questionar a minha própria conduta. “devo ser legal se só tem gente escrota? vou ser escrota tb”, pensava. logo em seguida me sentia mal. falava com as pessoas tentando arrancar o ouro delas. queria colecionar sonhos, histórias de vida, queria falar de música e cinema, queria q elas me convidassem pra sair. nunca aconteceu.

existe um comportamento q é bem londrino q é o de ignorar. parece respeito qdo eles não te olham no metrô mesmo se vc tem um cabelo roxo e está usando umas roupas esquisitíssimas, mas é só ignorância. elas ignoram o mundo ao redor pq estão afogadas em suas próprias vidas de merda. vi cenas terríveis, como um rapaz cuspindo na cara de outro rapaz no metrô, gratuitamente, e todo mundo fazendo a egípcia ou um beberrão fumando no vagão e todo mundo quieto pq não tem culhões pra fazer alguma coisa. é deprimente o vazio geral. eles têm museus maravilhosos, eles têm mil teatros e casas de show, bibliotecas imensas e riquíssimas, eles não têm um pingo de cultura. eles não sabem nada de história, geografia ou biologia. nada. parecem uns zumbis. mas falo dos imigrantes e dos poucos ingleses com os quais tive contato.

é uma terra de passagem. muito pouca gente vem pra passar a vida em londres. isso faz com q vc nem faça amigos – eles vão embora mesmo.

odiei os italianos até ter a Barbara, odiei os espanhóis até ter o George. aprendi a amar os brasileiros. puta povo gente boa q é brasileiro, cara. não sou uma ufanista, longe disso, mas as pessoas mais legais q conheci aqui são brasileiros. vc aprende a generalizar e tudo bem. a frança, por exemplo, deveria morrer com tudo dentro. mesmo sentindo uma tristeza imensa pela morte de uma culinária única e maravilhosa, de seus queijos e vinhos, do conhaque e do foie gras, amém. os búlgaros são gente legal e festeira, os húngaros se acham a última bolacha do pacote, os poloneses acham q são espertões, os tchecos são burros de dar dó, os alemães são mecânicos e frios, os italianos são porcos e mal-educados, os espanhóis são um elo de ligação entre o homem e o macaco (parem de pagar pau pra europeu, por favor!), os indianos são sexistas, mas são agilizados e espertos, os australianos são como os brasileiros, os portugueses são de fato meio imbecis e não gostam de brasileiros. conheci gente massa e idiota de todas os países. então pode generalizar, mas deixa tudo aberto. no final, a gente é tudo igual. é tudo carbono, hidrogênio e descargas elétricas.

3 – como acaba?

nunca acaba. depois q vc sai de casa uma vez, é pra sempre. e o q essa mudança faz com vc é uma arma quente q vc pode usar a qualquer momento. posso morar na alemanha, na venezuela, no japão.

mantenha o coração sempre limpo, a cabeça sempre positiva. pensa q, se tudo der errado, vc tem pra onde voltar. seus amigos sempre serão seus amigos. sua família sempre será sua família. vc pode desistir e voltar pra casa. o robert pollard diz “you can never be strong…you can only be free”. vc não pode se culpar de suas fraquezas, só pode pensar em como se livrar delas.

vc vai aprender a viver sozinho e isso dói muito no começo, mas depois vc aprende q vc é sua melhor amiga, sua namorada, sua mãe, sua irmã. vivo num namoro muito louco comigo mesma. tem dia q eu me odeio e fico brigando comigo, tem dia q eu me amo e me cago de rir das minha piadas, tem dia q eu só cozinho um macarrão e vejo filme.

quanto à língua, aprendi, antes tarde do q nunca, q vc não pode ter medo ou vergonha. fala o q vc sabe falar, cague pros julgamentos. gente babaca vai ser babaca mesmo se vc falar a língua deles. apenas fale. deixa sair de vc. as pessoas vão te corrigir e isso é ótimo. aprender é uma coisa infinita.

e não tenha pena de vc. assim, senti autopiedade algumas vezes e nem foi tão ruim, mas é ainda melhor se vc se dá um tapa na cara e vai viver. autocompaixão te trava, te prende na sua própria fraqueza. vai ter pena de quem tá passando fome. a gente? a gente é só mais um imigrante dentre milhares.

4 – e a mensagem final fica por conta do bob mesmo, a melhor companhia da minha vida

https://www.youtube.com/watch?v=9J-V6AGuA2k

é, londres. foi ruim mas foi bom.

obrigada por tudo q vc me deu e por tudo q vc me tirou. obrigada por ter entalhado a minha casca. obrigada por ter me ensinado a cozinhar e por ter me mostrado o valor de tudo o q eu tenho.

c’mon. speed on!