são paulo i love you but you’re bringing me down

antes de voltar para o brasil, tinha medo de estranhar. achei q pudesse estranhar a cidade, meus amigos, os rolês, o preço do pão francês, o arroz-feijão. a princípio parecia q eu nunca tinha saído. foi ridiculamente confortável estar lá. tudo estava exatamente como eu deixei, eu estava como eu me deixei. os pensamentos q vieram depois não tiveram forma de estranhamento, mas de constatação.
são paulo é uma cidade doente. ela exerce um poder de fascinação surreal sobre quem vive nela, q é o poder do capital. é em sp q vc pode ganhar e gastar seu dinheiro como bem entender. essa capital, por sua vez, paga cada sintoma de cidade doente. são duas as poluições q me assustaram: a sonora e a do ar. saí do aeroporto com a rinite atacando e tive crises sucessivas na primeira semana. parece não haver oxigênio suficiente para todo mundo respirar. o corpo fica cansado muito facilmente, o ar é denso de umidade e monóxido de carbono. mas, pra mim, pior q isso é a massa sonora de motores e buzinas q atrapalham uma conversa no bar ou caminhando pelo rua. tem helicópteros, aviões. gente gritando (a gente mesmo tem q falar mais alto). construções. ninguém percebe, mas isso vai irritando o espírito. não apenas o espírito, isso adoece o corpo.
o nível de estresse das pessoas é bem alto. questiona-se muito a educação do brasileiro, mas ninguém questiona o q leva as pessoas a serem mal educadas. o trânsito é lento e o sistema de transporte público é ineficiente. demora-se muito para chegar nos lugares. o estresse começa em casa, qdo vc olha pro relógio e tem q sair correndo pq sabe q uma hora não é suficiente para fazer centro-pinheiros, q são bairros vizinhos. o metrô está abarrotado. a cidade cresceu demais e para fazer mais túneis de metrô, é necessário cavar mais fundo ou a cidade desaba. e qto mais fundo, mais caro e mais demorado. isso caminha e deve caminhar a passos muito lentos na próxima centena de anos. uma maioria esmagadora de pontos de ônibus não têm nem uma lista das linhas q passam por ali. é só um pedaço de madeira com uma placa. e se botam uma placa, vai ser vandalizada, pichada ou quebrada.
a classe média – a única q eu posso falar com segurança e algum conhecimento de causa – tá engajada no sistema de compensação e enfrenta isso tudo pra poder comprar uma TV de led no fim do mês ou pra ir num show de absurdos 200 reais. ninguém tem consciência do q faz a gente tão estressado. os hospitais estão lotados de gente com problemas q não existiriam se eles vivessem num lugar menor e mais calmo.
para viver em SP é preciso ter um bom emprego. um emprego q pague o aluguel absurdo q é morar no centro expandido. então metade dos meus amigos têm empregos q eles detestam, mas q pagam todas as contas. mas, imagine vc, SP tem 11 milhões de habitantes e cerca de 8 milhões não vivem no centro, no centro-sul e zona oeste. desses 8 milhões, cerca de 6 milhões vivem em bairros periféricos e se fodem todos os dias pra limpar nossas casas, dar banho nos nossos cachorros, entregar nossas pizzas de madrugada. eles tb não são felizes. eles, mais do q a gente, se fodem com o trânsito. moram mal (não apenas pq moram longe, mas pq moram em lugar de infra-estrutura precária), não têm dinheiro pra bancar o sistema de compensação e vivem as condições de estresse como poluição sonora e do ar mais intensamente. então, sim, essas pessoas vão ser mal educadas. elas vão xingar, elas vão te atropelar na saída do metrô, elas vão cagar um tijolo pra harmonia de qqr merda pq harmonia é a última coisa q a vida delas tem.
não me parece harmônico esse koyaanisqatsi de são paulo. aliás, koyaanisqatsi, a própria palavra, significa “vida maluca, vida em turbilhão, vida fora de equilíbrio, vida se desintegrando, um estado de vida que pede uma outra maneira de se viver”.
é uma cidade doente como muitas outras. mas em um nível muito avançado, um nível q nem vontade política pode salvar. o q mantém a cidade doente é o nível de capitalismo americano histórico q alcançamos. nunca foi tão importante ostentar. amo a subida da classe C, mas agora ficou muito claro q o brasileiro se vende e se compra por muito pouco. é importante ter um carrão importado – mesmo q vc o tenha só para ficar horas parado no trânsito todos os dias. vive-se mal para comprar pequenas doses de conforto e diversão.
eu não estou feliz em londres. não acho q londres seja uma cidade perfeita. nem paris, nem nova york. é q voltar pra casa me deixou mal. pq não existe lugar como a nossa casa. falar sua língua, encontrar seus amigos, ver q o amor não falta. isso tudo ainda me bota de volta em SP um dia. mas por enquanto é só uma saudade.