HOLLOW
a promessa é de um tornado. “vc ouviu falar do tornado?”, ele disse. “não, mas alguém me perguntou se eu estava com medo da tormenta e eu disse q não me importava, pois estava indo pra casa. achei q estavam falando da possibilidade de virem muitas pessoas para o jantar”, respondi. “hahahaha não, tem um tornado. ele vai passar aqui no sul. mas dizem q vai afetar mais o país de gales, aqui vai ser só ventania”.
queria um tornado e queria q ele passasse na porta da minha casa, q eu pudesse sentar no degrau da entrada e assisti-lo como um evento natural simplório. queria trovões, barulhentos e amedrontadores trovões, mas isso não tem aqui. não tem tempestade, não tem uma chuva daquelas q faz vc achar q a vida está renascendo. tem só chuvinhas, longas intermináveis chatas geladas intermitentes chuvinhas, q só servem pra molhar os óculos e fazer brotar poças q, impossível evitar, vão molhar seus pés.
essas chuvinhas dizem muito sobre londres, elas revelam toda a murchidão q é essa terra. não há tormentas assim como não há amores atormentados ou relações de tempestade entre os seres humanos, apenas essa coisa insossa, pentelha, gelada, sem profundidade q é uma garoa. faz muito tempo q espero uma tempestade q nunca veio. andei pensando q talvez a posição da ilha no Planeta não fosse favorável, talvez o reino unido esteja milimetricamente posicionado num pedaço em q o campo magnético terrestre atraia certas coisas q não me interessam, e apenas isso, e q aqui residam os seres humanos q convivem bem com esse magnetismo estúpido.
mas venta. venta muito, venta o tempo inteiro. é um vento q carrega tudo embora. carrega a vida consigo. carrega o tempo, as sensações. não leva embora a saudade, pq a saudade é um peso q dorme no fundo de um lago de memórias. não existe vento q mexa no fundo de um lago. existem tornados e tempestades e tsunamis q matam, só isso pode mexer no fundo do lago. mas o tornado, ele não vai passar aqui.
não existe atalho pra felicidade. existe o caminho e tentar atalhar te rouba os argumentos. vc entende qdo digo q vc perde os argumentos? vc não constrói a base pra felicidade. sem base, não há alicerce, sem alicerce nada sobe. tem q acumular um bom montante de infelicidades, tem q gastá-las todas, pra chegar no coeficiente agradável. i mean, se vc sabe q colocar a mão no fogo te queima, vc evita o fogo na sua pele. se vc conhece as infelicidades, vc passa a evitá-las. a felicidade nada mais é q a ausência de infelicidades.
a vida é feita de ciclos. em ondas. como a concentração. ninguém está concentrado 100% do tempo; ela oscila. em média, a cada 5 minutos, sua concentração cai, daí ela retoma, atinge um pico, vai caindo até precisar ser retomada e assim sucessivamente um trilhão de vezes sem nunca te cansar – pq vc nem presta atenção nisso. aposto q vc nunca presta atenção na sua concentração. eu presto pq a minha não tem 5 minutos de ciclo. tem uns 46 segundos, em muito pouco eu perco a concentração, perco o assunto, perco o interesse. é um instante, é muito rápido, e eu já estou num outro planeta, divagando. daí eu me resgato. se o ciclo da concentração é de cinco minutos, pq o ciclo de sofrimento e felicidade tem q ser em meses – ou anos? até q chegou o momento q meu ciclo de contentamento (q é uma parada próxima à felicidade), dura 6 minutos ou 6 horas. é tudo muito rápido.
criei um método para suportar os dias. eu acordo e decido o q vou ser. já fui um elefante rosa, bailarino q dança entre os problemas; já fui unicórnio mágico do amor, já fui dragão cuspidor de fogo q queima os problemas com um sopro; já acordei princesa do reino e todo sapo vira príncipe e toda coisa q eu toco vira ouro. agora eu acordo e decido o q eu vou ser. nos últimos dias canto em loop “she said i can be a frog, i can be a bat………it seems like she can be anything she wants to be”. é um argumento. os dias são horríveis, o mundo faz de tudo pra te deprimir. mas eu não posso compactuar. eu tenho q ser maior. então eu luto. luto pra ser extraordinária. luto pra não gerar descontentamento. luto pra ser um pingo de alegria na vida das pessoas.
tenho sido muitas coisas. hoje acordei apenas humana normal. não consegui decidir o q eu era no café da manhã, então concluí q era apenas humana, a kátia de sempre. queria ter abraçado pessoas e derramado nelas amor, queria ter convidado o chef tailandês delícia pra uma trepada, queria ter feito caretas pros outros chefs, mas acordei humana e vazia. acordei normal, sem nada pra oferecer. como a maioria deles. acordei honesta e séria. não falei com ninguém e não fiz piadas, foi apenas mais um dia. não fez diferença. mas eu poderia ter abraçado o chef de café da manhã e dito q a vida é bonita – pq ele estava num mau humor horrível, numa vibração pesada e densa q eu poderia cortar com uma faca (e precisava estar bem afiada). mas eu não tinha tinha energia. eu estava vazia, sem amor. como vc pode dar amor se vc não tem? trabalhar na sobremesa me ensinou isso: vc não cozinha sem açúcar. nunca. tem q acumular açúcar em vc. amor. tem q acumular crenças até em coisas q vc não acredita. porque qdo vc tem q cavar a própria felicidade, cada dia é uma luta. é uma luta contra o meu estado de espírito, q é sempre depressivo e pessimista, contra o humor do mundo, q é sempre sarcástico. o mundo, ao q me parece, é um tirador de sarro. ele te provoca, te humilha, testa suas convicções. vc pode acreditar num deus q protege e te abençoa, mas daí o mundo, o lugar q vc vive, pode ser o próprio demônio testando até onde essa confiança num ser superior vai.
eu acredito em deus. acredito mesmo. eu não apenas acredito, eu sei q ele existe. deus não é bonzinho nem malvado. deus só quer saber o seu limite. ele não te dá o limite. ele vai te fodendo pra ver o qto vc aguenta. deus quer saber quão forte vc é. deus vai mandar uma tormenta, deus vai mandar muitas tormentas, e elas não são fenômenos naturais. elas são o seu devir. deus é quem julga como vc lida com essa fodelança toda. pq, eu não sei sobre a vida de vcs, mas a minha é sobre o quanto eu me fodi e o qto eu superei cada comida de rabo q eu tomei. como eu me saí de cada uma delas. pq a vida, a minha, meus amigos, é sobre se foder. é sobre perdas. é sobre perder e perder e como eu administro essas perdas. como eu pego as saudades e moldo como argila e faço cinzeiros e fumo e uso esses cinzeiros. vejo vidas bem mais leves q a minha. não sinto inveja dessas pessoas. não hoje em dia, como já senti. sinto amor. tenho vontade de abraça-las e derramar amor sobre a fragilidade delas. pq, como diz o mestre adoniran barbosa, deus dá o frio conforme o cobertor. elas não aguentam os invernos q eu aguentei. então eu as abraço (mentalmente) e quero amá-las e dizer q a vida é linda. q tudo vai ficar bem, q a vida é boa com a gente. apesar de nunca ter acreditado nisso. apesar de achar q viver é atravessar uma piscina olímpica de merda, com leves intervalos q a gente tira a cabeça pra fora pra respirar. no mais, apesar de querer dar amor pra essas pessoas, elas não são as pessoas q eu amo e q eu quero carregar comigo, custe o q custar. comigo, eu só carrego gente q sabe o q é se foder. gente q foi enrabada pelo destino e q sabe como tomar no cu sem baixar a cabeça. esse é o meu tipo de gente. gente q entrou num ringue sabendo q ia perder e lutou. não existe outro tipo de gente q eu respeito. quer dizer, até existe. gente muito, muito iluminada, q só tem o bem dentro de si. não precisa nem ter se fodido, basta q seja o puro amor.
eles prometem uma tormenta e ainda tem aviões pousando aqui do lado. eles prometem uma tormenta. mas ela nunca vai vir.