por km

“a gente não se conhece, né? não, não se conhece, mas sabe q vc parece muito com um amigo meu, o Lino? claro q eu sei q vc conhece o Lino. o Lino Comprido, Lino q falava baixinho e calmo, careca e de braços bem longos, magro como um diabo esfaimado. o Lino, a gente não podia deixar ele falar muito senão a gente dormia. o Lino era amigo até da minha mãe. então, q bom q vc se sente confortável parecendo o Lino, pq o Lino, q parece o Drummond, com aquelas maçãs do rosto saltadas e secas chupadas, não me parece ser a melhor comparação. eu tenho uma foto do Lino lá na poltrona de casa. vc sabe q faz 20 anos q eu fotografo analógico? me dei conta outro dia. ganhei minha primeira câmera com 11 anos, era uma de plástico, até a lente era de plástico, pq a minha mãe não deixava eu usar a dela. qdo eu tinha quase 15 anos minha mãe deixou eu usar a mamiya dela, foi qdo eu percebi q a câmera dela era ruim de doer. tadinha, ela adorava fotografar tb. mas cortou tanto pé em tanta foto da minha infância, q eu queria poder voltar no tempo pra poder dar essa dica pra ela. hahaha sim, melhor cortar os pés do q as cabeças, claro. então, ontem eu levei três rolos de filme pra revelar, isso me dá uma ansiedade danada. desde o primeiro rolo de filme, passando pelo meu primeiro filme preto e branco até chegar no primeiro rolo de positivo e até qdo eu finalmente comprei a camerazinha mequetrefe q uso até hoje. faz 4 anos q uso a mesma câmera, q tem uma lente de vidro pelo menos, mas é 32 miliímetros e não dá conta de fazer foto com definição boa a mais de 2 metros de distância. pra isso tem outras lentes e tem câmera caras q sustentam essas lentes e tem até gente q carrega isso tudo e um tripé pra fazer foto bonita. eu não, eu só quero registar umas coisas, umas cores, uns lugares, pra depois mostrar por meus netos. eu sempre penso nos meus netos. nem filho eu tenho, mas imagino os meus netos e tb fico imaginando o tanto q eu vou entortar eles – pq é isso, né, vó serve pra entortar. vó brava não tá com nada. mas, sim, como eu estava dizendo, cada rolo de filme é uma ansiedade. pq, no geral, as fotos nem ficam bonitas. mas sempre tem uma ou duas fotos q me fazem ter vontade de gritar e de dar uma volta correndo no quarteirão de regozijo. essas fotos fazem valer todo dinheiro e tempo gasto nisso. mas hoje em dia eu quase não fotografo mais. assim, tiro umas fotos porcarias com o dispositivo móvel achando q vou guardar aquilo pra sempre, mas o gadget vai morrer, ser roubado ou se perder e essas fotos todas vão desaparecer. diferente dessa montanha de negativos q eu tenho. aliás, não acumulo mais nada desde q saí do Brasil. só negativos e memórias. até livro eu comprei pouco. qdo saí de Londres, deixei uma montanha pra trás. devia aprender a acumular dinheiro, dizem q é bom e prudente ter um montinho no banco, “no caso de uma emergência”. isso me lembra meu pai, qdo eu mudei pra São Paulo, no começo dos anos 2000, falando “ande sempre com uns 30, 40 reais na carteira. é o dinheiro do ladrão”. bom, esses 30 reais duraram aí, vamos ver, umas duas semanas na carteira? depois eu gastei e nunca mais repus. e o ladrão tb nunca veio hahaha, q boa a vida é comigo, não posso reclamar. quer dizer, ando muito reclamona, reclamo do vento, do ônibus, do preços das coisas e tb do sol e da chuva, mas cada vez q vejo uma coisa q eu nunca quis e nunca vou querer ser, fico feliz e conformada com a minha condição. pq né, eu tenho uma casa, um emprego, um punhado de dólares pra comprar um café se eu quiser, até dois, e fico feliz até de ter o peito pequeno e ele não balançar daquela maneira horrenda qdo eu corro. pq durante um tempo, qdo eu era jovem, né, eu ficava reparando e me chateando q eu não tinha isso, não tinha aquilo, mas hoje em dia eu fico mais botando um reparo nas coisas q eu tenho e como elas me satisfazem. tá, olha, agora eu preciso ir. legal te conhecer. se ver o Lino, fala q eu mandei um abraço”